Seres Vivos no Espaço: Bactérias Superesistentes Poderiam Viver Fora da Terra

Na história de ficção científica Pictures don’t lie, de 1951, de Katherine MacLean, uma nave alienígena entra em contato com a Terra e pede permissão para pousar. Mas quando os visitantes aterrissam, ninguém os vê, nem eles avistam o comitê de recepção. Na verdade, tanto terráqueos como extraterrestres estavam buscando na escala errada: os visitantes eram microscópicos. Um grupo de pesquisadores brasileiros está descobrindo que essa ideia está mais próxima da realidade do que parece. Eles mostraram que bactérias super-resistentes sobreviveriam a viagens pelo espaço, agarradas a minúsculos fragmentos de poeira.

A conclusão é pioneira na astrobiologia, a área da ciência que nas últimas décadas procura indícios de vida fora da Terra, outros mundos habitáveis e entender as condições essenciais para o surgimento da vida. Um dos projetos mais conhecidos de astrobiologia, o Seti, sigla em inglês para Busca por Inteligência Extraterrestre, comemora este ano o cinquentenário. A diferença é que novas tecnologias agora permitem estender as fronteiras do conhecimento. No Brasil os estudos nessa área devem ganhar fôlego nos próximos meses, com o início da atividade do primeiro laboratório nacional dedicado à astrobiologia. Em fase de instalação em Valinhos, no interior de São Paulo, o novo centro será coordenado por Eduardo Janot-Pacheco e ligado ao Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

O astrônomo Douglas Galante, pesquisador do IAG à frente da instalação do laboratório, vem mostrando como a vida pode resistir até mesmo aos fenômenos cósmicos mais extremos, como explosões de supernovas e de raios gama. Seu trabalho, ao lado dos experimentos do biólogo Ivan Paulino Lima durante o doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), contribui para a ideia de que seres vivos podem viajar pelo espaço. Ambos estudaram a bactéria Deinococcus radiodurans, que se destaca por resistir a doses altíssimas de radiação. A espécie foi descoberta nos anos 1950, no contexto da indústria norte-americana de carne enlatada. Os alimentos eram tratados com radiação para eliminar contaminação por bactérias, mas parecia impossível acabar com elas: a Deinococcus radiodurans resistia à esterilização. “Se formos expostos a raios gama com uma intensidade de quatro Grays, estaremos mortos em um mês”, avalia a biofísica Claudia Lage, da UFRJ, orientadora de Paulino Lima no doutorado, “mas a Deinococcus radiodurans continua se multiplicando mesmo depois de bombardeada com 15.000 Grays”. Na verdade, o material genético da bactéria é pulverizado, mas bastam três horas sem excesso de radiação para que o DNA se recomponha perfeitamente e volte à ativa. Como a fênix da lenda, que renasce das cinzas.

A resistência a altos níveis de radiação, e também ao vácuo, à dessecação e à temperatura, é o que torna essa bactéria ideal para testar a possibilidade de seres vivos fazerem viagens interplanetárias sem a proteção de uma espaçonave. Até agora, estudos internacionais – feitos inclusive pela agência espacial norte-americana (Nasa) – vêm testando a possibilidade de vida no espaço com bactérias que se protegem formando uma carapaça, como se fossem múmias (cistos). A diferença é que a Deinococcus entra em dormência, mas não forma esses cistos, e nos últimos anos Paulino Lima vem submetendo essa bactéria a feixes de luz que simulam a radiação que existe em raios solares no espaço, sem a proteção de uma atmosfera.

Boa parte do trabalho está sendo feita no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) em Campinas, no interior de São Paulo. A pesquisa mostrou, segundo resultados publicados em agosto na Planetary and Space Science, que basta a proteção de um grão de poei­ra para que a bactéria sobreviva nas condições do espaço.

A poeira é mais importante do que parece. Ela passa incólume por barreiras físicas sérias para corpos maiores. Quando um meteorito grande penetra a atmosfera, por exemplo, o atrito é tão intenso que aquece a rocha a temperaturas que muitas vezes a pulverizam e são letais para qualquer bactéria. Esse problema não existe com a poeira, cujo tamanho microscópico lhe permite entrar na atmosfera quase sem atrito. E ela é abundante, em parte devido aos cometas que cruzam o espaço com sua cabeleira luminosa. A cauda de um cometa surge quando ele se aproxima do Sol, na verdade é sua superfície assoprada pelos ventos solares. Quando vai embora para os confins do Universo, o cometa deixa para trás essa poeira e fica ligeiramente menor por perder a camada externa. Uma camada valiosa para a vida: os cometas são repletos de aminoácidos, as moléculas orgânicas que compõem as proteínas.

Teoria na prática – “Por volta de 10 mil toneladas de grãos de cometas caem na Terra todos os anos”, afirma Claudia. E os grãos que chegam não são, para ela, os únicos indícios de que a Terra está longe de ser um ambiente fechado sobre si mesmo, aonde nada chega e de onde nada sai. Ventos e tufões suspendem partículas do solo até o alto da atmosfera, periodicamente varrida por ventos solares que carregam essa poeira para outras zonas do espaço. “Estamos contaminando o Universo”, comenta.

Num período de pesquisa no síncrotron Diamond, na Inglaterra, Paulino Lima mostrou também que suas bactérias favoritas resistem a uma explosão simulada de supernova, um fenômeno estelar que libera altas quantidades de raios X. O estudo ganhou ainda mais força com o encontro pouco comum entre astrobiologia experimental e teórica. Na mesma época, Douglas Galante estava mergulhado em cálculos e simulações teóricas para descobrir como a vida reage às doses extremas de raios cósmicos presentes no espaço e em planetas jovens – para com isso entender a origem da vida e a evolução da biodiversidade. Independente do grupo carioca, ele tinha justamente escolhido usar em suas simulações um organismo difícil de matar: a Deinococcus radiodurans. No Diamond, os dois jovens pesquisadores trabalharam juntos e mostraram que os dados teóricos e experimentais se encaixavam com perfeição. Veja Reportagem Completa revista Fapesp: www.resvistapesquisa.fapesp.br

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